O gato doméstico (Felis catus) está presente em quase todos os continentes, com exceção da Antártida e regiões mais remotas. Embora atualmente eles sejam habitantes dos nossos sofás e lareiras, nas sociedades antigas aqueles que habitavam celeiros, navios e vilarejos proporcionavam grande proteção. Que tipo de proteção os bichanos conferiam? Bom, basicamente contra pragas e vermes oriundos de pequenos animais, principalmente de roedores, os quais eram responsáveis por danos às plantações e por doenças críticas.
Um estudo publicado na Nature Ecology & Evolution demonstrou que o gato doméstico é mais próximo de uma subespécie de gato selvagem africano, o Gato-da-Líbia (Felis silvestris lybica). Esses selvagens geralmente são solitários, caçadores territorialistas e não possuem estrutura social e hierárquica. Um animal com essas características dificilmente seria escolhido para a domesticação e, ao que parece, de fato os gatos não foram escolhidos por nós, eles é que “se convidaram” para serem domesticados (típico de gato não?)! O que se sabe é que esses felinos começaram a habitar plantações há milhares de anos atrás ao serem atraídos por ratos que invadiam os estoques de grãos dos humanos no Oriente Próximo.
Evidências zooarqueológicas apontam que a primeira relação entre os humanos e os bichanos foi um tipo de comensalismo que durou milhares de anos. Durante esse período, os gatos que habitavam regiões humanas mantinham cruzamentos com os selvagens. Acredita-se que essas trocas genéticas contribuíram para manter pouca diferenciação entre os dois grupos. Devido a isso, nossos ronronadores mantiveram muitas das características fisiológicas, ecológicas, morfológicas e comportamentais dos felinos selvagens.
Devidos aos benefícios de se ter gatos por perto, os fazendeiros provavelmente foram os primeiros domesticadores. Esses novos gatos mais dóceis migraram aos poucos do Oriente Próximo para Bulgaria e Romenia por volta de 6.000 anos atrás, configurando a primeira onda migratória e a chegada desses animais na Europa. Milhares de anos depois, gatos domesticados oriundos do Antigo Egito, também migraram para a Europa durante a Era Romana e suas populações se tornaram maiores que a dos gatos do Oriente Próximo. Além disso, como exterminadores de pragas, eles foram úteis nas expedições navais da época, onde, graças aos Vikings, se espalharam pelo norte da Europa.
Uma vez instalados em toda a Europa, foi só questão de tempo até que os bichanos se espalhassem pelos outros continentes com a ajuda dos humanos, passando de auxiliares exterminadores de pragas à pets que arranham sofás, quebram vidrarias e sempre nos conquistam com um olhar sem igual (vide foto).
Fonte: Ottoni, Claudio, et al. “The palaeogenetics of cat dispersal in the ancient world.” Nature Ecology & Evolution 1.7 (2017): 0139.
Matheus Lewi C. B. de campos, biólogo pela UFV – CRP, e mestrando em Zoologia pela UFMG.