Você já se perguntou como os cientistas conseguem estudar as células? Submetê-las a vários experimentos, mantendo a maior parte de sua integridade para estudo? Isso é possível pela imortalização das células! Com a imortalização das células o ciclo de vida será alterado. Isso se refere à capacidade de divisão da célula por um número ilimitado de vezes, um processo que na pesquisa é conhecido como “imortalidade replicativa”. Durante esse processo,a cada instante, nossas células trabalham, e esse trabalho é coordenado pelo núcleo da célula. Dentro do núcleo, temos o material genético dos cromossomos, em que a cada leitura celular comum (o trabalho das células durante a vida), a leitura dos cromossomos é feita e existe um encurtamento gradual dos telômeros (as extremidades dos cromossomos, presentes no núcleo das células). Com esse encurtamento, as células se aproximam de um estado não proliferativo chamado senescência, que é um mecanismo natural para evitar o crescimento descontrolado. Esse mecanismo é importante, pois o crescimento celular descontrolado leva a uma displasia celular (anormalidade celular de tamanho, forma e função).
A imortalização celular se refere a prolongar o telômero ou impedir que ele seja encurtado com o tempo. Para isso, os cientistas utilizam a telomerase, uma enzima de ribonucleoproteína, que é uma molécula complexa formada pela integração entre proteínas e os RNAs, ácidos ribonucleicos que possuem material genético,que sintetiza o DNA telomérico para combater o encurtamento dos telômeros. Isso dá à célula uma vida maior, o que nos permite realizar os experimentos com a mesma cultura celular, mantendo a maior parte da integridade da célula. Essa extensão dos telômeros é feita a partir de um estudo da célula em que se quer realizar os experimentos, para que se possa manter as características da célula e não interferir em outros aspectos do ciclo celular, de modo a modificar função e estrutura. Vale destacar, que, toda alteração de funcionamento celular pode provocar algum dano, mesmo o prolongamento dos telômeros, pois foge da normalidade celular. Assim, algumas pequenas alterações podem acontecer e serem toleradas.
A reativação da telomerase, por exemplo, é um dos marcos do câncer. Até que ponto podemos utilizar essas células imortalizadas? É uma pergunta latente na pesquisa com cultura celular. A cada passagem celular,ou seja, cada vez que as células em cultura vão para outro estágio da cultura, o aumento de passagens prejudica o estudo, pois a cada modificação da cultura, a célula se adapta. Repetidas vezes, isso gera mutações celulares, o que prejudica a pesquisa, com um resultado distante da realidade da célula em um organismo e em seu funcionamento normal. Com as mutações induzidas, não sabemos o estado fisiológico normal celular, e sim o novo estado causado pela mutação, o que, para estudos relacionados a células em situação de mutação proliferativa como estudos relacionados à tumorigênese e câncer, pode favorecer o entendimento de mecanismos para essas displasias. Mas já para estudos que têm a intenção de estudar a célula, ou caracterizar uma proteína, ou gene no seu estado normal, as mutações deixam inviável a continuidade do estudo. Cabe, então, ao pesquisador decidir o tipo celular a ser utilizado para iniciar o processo de imortalização, com um objetivo específico, para, por exemplo, caracterizar essa célula em estado fisiológico normal ou patológico (anormal/doente), já tendo em mente as variações que podem ocorrer ao longo das passagens celulares, para tentar antecipar os possíveis desvios e saber até onde esses desvios são aceitáveis. Sendo a base de artigos científico de pesquisas já executadas, um facilitador para os pesquisadores delinearem o limite de passagens celulares.
Contudo, pode ocorrer de não existir um artigo sobre o que o pesquisador está caracterizando exatamente por isso a ciência é construída sempre. Nesses casos em que não houver uma literatura científica específica sobre determinado tipo celular, ou gene, os pesquisadores irão relacionar as características presentes no experimento, às informações já existentes, criando uma nova hipótese sobre essa célula imortalizada e essa característica do gene ou proteína que ele está estudando nessa célula.

Fonte da imagem: FONSECA, P. Hiperatividade pode influenciar o tamanho dos telômeros. Revista Pesquisa FAPESP, São Paulo, n. 257, 2017.
Referências:
HE, Yao; FEIGON, Juli. Telomerase structural biology comes of age. Current Opinion in Structural Biology, [S. l.], v. 76, p. 102446, 2022. DOI: 10.1016/j.sbi.2022.102446.
EM, Smith; DF, Pendlebury; J, Nandakumar. Structural biology of telomeres and telomerase. Cellular and Molecular Life Sciences, [S. l.], v. 77, n. 1, p. 61-79, 2020. DOI: 10.1007/s00018-019-03369-x.
Leila Maria Luz Bassam é mestranda em Biologia Oral pela Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto – USP.