Nomes próprios: de Sagui para Sagui.

A comunicação sonora desempenha um papel central na interação social dos saguis, primatas conhecidos por sua natureza altamente sociável e notável capacidade de aprendizado. Esses animais utilizam um repertório vocal diversificado, composto por diferentes sinais adaptados a várias situações. Entre essas vocalizações, destacam-se chamadas destinadas à defesa de território, atração de parceiros e localização de membros distantes do grupo. Humanos, golfinhos e elefantes são exemplos de animais altamente sociáveis que dependem da comunicação sonora como um dos principais meios de interação e utilizam sinais sonoros distintos para reconhecer e identificar membros de sua própria espécie. Durante muito tempo, supunha-se que primatas não humanos não fossem capazes de desenvolver vocalizações específicas para rotular membros da família. Contudo, estudos recentes indicam que os saguis possuem essa habilidade, que evidencia uma complexidade comunicativa antes considerada exclusiva de outras espécies.

Os saguis do gênero Callithrix são pequenos primatas diurnos que vivem em grupos sociais de dois a quinze indivíduos, com cuidado cooperativo dos filhotes. Habitam florestas brasileiras do Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica, onde utilizam amplamente sistemas sensoriais, como a visão e audição, para se comunicarem por meio de comportamentos visuais e vocalizações sociais complexas. Uma dessas vocalizações, conhecida como phee, é usada em diálogos entre membros do grupo, especialmente quando estão fora do alcance visual, permitindo a comunicação da localização tanto do chamador quanto do receptor. Estudos recentes mostram que a vocalização phee exerce um papel essencial na identificação de membros da família entre os saguis, apresentando maior similaridade quando direcionada a indivíduos do mesmo grupo familiar em comparação a receptores externos.

 Essa característica indica que os saguis ajustam suas vocalizações de maneira personalizada, estabelecendo uma comunicação específica tanto com parentes quanto com não aparentados. Dentro do grupo social, cada indivíduo possui um “chamado” vocal único, similar a um nome, ao qual outros membros respondem. As chamadas phee são exclusivas para cada receptor, permitindo que os saguis reconheçam e respondam adequadamente, distinguindo claramente entre indivíduos com ou sem vínculos diretos no grupo. Os rótulos vocais nos saguis são adquiridos por meio da observação e escuta das interações sonoras entre os membros do grupo.

Para desenvolver essa habilidade, é essencial que o indivíduo reconheça o conceito de “outro”, ou seja, a noção de que há outros indivíduos distintos de si. Acredita-se que essa capacidade tenha evoluído como um comportamento adaptativo, que favorece a coesão social e aumenta as chances de sobrevivência, especialmente em florestas tropicais, onde a comunicação visual é limitada. As descobertas sobre a rotulagem vocal oferecem novas perspectivas sobre a evolução da linguagem, revelando semelhanças entre a comunicação dos saguis e a dos humanos. A rotulagem vocal nos saguis é um comportamento aprendido e adaptável, que indica processos semelhantes aos que podem ter contribuído para a evolução da linguagem humana e destaca a complexidade da comunicação em espécies sociais.

Figura 1: Representação de um sagui do gênero Callithrix.
Imagem: Boanerges de Barros Junior via Pixabay.

Referência: OREN, Guy et al. Vocal labeling of others by nonhuman primates. Science, v. 385, n. 6712, p. 996-1003, 2024.

Laiena Luz Bassam Amadeu é doutoranda em Biologia Animal pela Universidade Federal de Viçosa.

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