Você provavelmente já deve ter ouvido por aí que a visitação de flores por animais, principalmente pelos insetos, processo chamado de polinização, é um dos serviços ecossistêmicos mais importantes que existe. E quando falamos especificamente das nossas abelhas indígenas sem ferrão, ou seja, as espécies nativas brasileiras, essa importância se torna infinitamente maior. Isso se deve porque cerca de 90% das espécies de árvores nativas dos nossos biomas são altamente dependentes de seus serviços polínicos. No entanto, o que pode ser uma novidade para você – e até um choque – é que existem algumas abelhas amazônicas que ao invés de visitarem flores em busca de seu próprio pólen e néctar, na verdade, invadem os ninhos de outras espécies para roubar esses itens. Este evento, conhecido como cleptobiose, não é algo raro de ser observado acontecendo na natureza, muito pelo contrário, em épocas de escassez de recursos vegetais esses saques podem acontecer com maior frequência.
Todavia, o que alguns pesquisadores curiosamente observaram é que possivelmente, algumas dessas espécies vivem exclusivamente dos saques, o que faz delas parasitas saqueadores obrigatórios. Alguns dos materiais que são por elas saqueados incluem cerume, resina, pólen e mel, todos recursos coletados e produzidos por operárias campeiras de outras colônias. A saqueadora mais famosa é a popularmente apelidada abelha-limão, ou cientificamente chamada de Lestrimelitta limao. Ela recebeu esse nome porque libera, assim como outras espécies do mesmo gênero, um composto volátil com o odor cítrico característico do fruto do limão. Essa substância, por sua vez, é utilizada pela abelha-limão durante um saque com o intuito de enfraquecer a organização química da colmeia que está sob ataque. No entanto, não se engane ao pensar que as abelhas atacadas ficam totalmente suscetíveis e que não desenvolveram nenhum método de defesa. Esses organismos coevoluíram ao longo das últimas centenas de anos com essas abelhas cleptobióticas, adaptando-se, dessa maneira, ao seu comportamento agressivo e estratégias de roubo. Logo, um desses métodos de contra-ataque, que é muito utilizado pela jataí (Tetragonisca angustula) e pela borá (Tetragona clavipes), ficou conhecido como “kamikasi”. Essa estratégia funciona com algumas operárias, 50 e 200, para jataí e borá, respectivamente, sobrevoando a entrada do ninho. Uma vez que a inimiga limão é identificada, ocorre uma luta corporal entre essas abelhas, sendo que a jataí é capaz de usar as suas mandíbulas para morder a asa ou a perna de sua saqueadora, que cai ferida no chão e fica suscetível ao ataque de outros insetos, como as formigas.
Além dessas abelhas, existe outra espécie, de nome científico Duckeola ghilianii, vulgarmente apelidada de abelha-policial ou caçadora-de-limão, que luta contra o ataque das ladras limão. Ela faz jus ao seu nome ao corajosamente provocar as saqueadoras para que saiam do ninho sob ataque, e uma vez que isso acontece, capturam e matam a invasora com mordidas em pontos vitais. Fato inusitado é que a abelha-policial não defende somente os seus ninhos, mas também as colônias parasitadas de outras espécies de abelhas. Por outro lado, outros grupos desenvolveram métodos mais discretos, como por exemplo a uruçu-boca-de-renda (Melipona seminigra), que tampa a entrada de seu ninho com uma a quatro bolinhas de cerume de cerca de 1 cm de diâmetro cada, barrando a possível entrada de quaisquer intrusos. E essa, é só uma pequena amostra da grande diversidade que essas abelhas nativas apresentam.
Imagem: André Matos via Infobee.
Referências:
KERR, WE. CARVALHO, GA. SILVA, AC. ASSIS, MGP. Aspectos pouco mencionados da biodiversidade amazônica. Biodiversidade, pesquisa e desenvolvimento na Amazônia, n. 12, p. 20-41, setembro, 2001.
RECH, AR. SCHWADE, MA. SCHWADE, MRM. Abelhas-sem-ferrão amazônicas defendem meliponários contra saques de outras abelhas. Acta Amazônica, v. 43, n. 3, p. 389-394, outubro, 2012.
Nicole de Oliveira Braga é graduanda em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Viçosa, campus Rio Paranaíba.