A dispersão de sementes realizada por animais é uma relação mutualística, que desempenha um papel crítico para a manutenção dos ecossistemas, pois atua na demografia, dispersão e fluxo gênico para as plantas. Essa ação é realizada pelos mais diversos grupos, sendo a dispersão por aves, mamíferos e insetos as mais estudadas.
No grande grupo dos répteis, a dispersão de sementes (denominada saurocoria) é pouco estudada, especialmente em crocodilianos. Esta lacuna científica pode ser explicada pelo fato destes répteis serem considerados carnívoros obrigatórios, incapazes de digerir proteínas vegetais e polissacarídeos. Entretanto, várias espécies carnívoras já foram consideradas dispersoras de sementes, tanto de forma primária (quando o próprio organismo ingere a fruta) quanto secundária (quando um organismo se alimenta de outro que ingeriu sementes).
Quanto aos crocodilianos, é possível classificá-los como dispersores secundários. No entanto, alguns estudos sugerem que este grupo também pode ser classificado como dispersor primário. Uma revisão da literatura reuniu trabalhos que objetivaram identificar sementes no conteúdo estomacal e nas fezes dos crocodilianos. Das 23 espécies existentes, 18 apresentavam informações dietéticas. Destas, 13 apresentavam informações sobre o consumo de frutas dos mais distintos grupos vegetais, com pericarpo seco a carnoso e variadas cores e tamanhos. Acreditava-se que essa ingestão ocorria para a utilização das frutas de pericarpo seco como gastrólitos, itens de maior dureza ingeridos por animais para facilitar a digestão mecânica dos alimentos.
Contudo, essa hipótese não se sustenta, uma vez que as frutas de pericarpo mole também são ingeridas e não servem como gastrólitos. Algumas frutas, como a Persea americana (abacate) e a Annona glabra (araticum-do-brejo), são denominadas como pera jacaré e maçã jacaré, respectivamente, por conta da frequência com que são ingeridas. Os pesquisadores buscaram analisar o tecido duodenal e pancreático desses animais e encontraram enzimas capazes de digerir carboidratos, proteínas e gorduras vegetais. Essa descoberta sugere que a ingestão de frutas gera recompensas nutricionais, bem como o aumento da eficiência de conversão alimentar e favorece o crescimento.
Para mais, destaca-se que os crocodilianos não conseguem mastigar e ingerir pedaços inteiros, o que permite que as frutas cheguem conservadas até o estômago. Neste órgão, em razão do ambiente ácido e da presença de gastrólitos, as frutas sofrem escarificação e digestão química, preservando apenas as sementes, que são eliminadas por meio das fezes ou da regurgitação. Ao serem eliminadas, a semente é acompanhada por vários compostos não digeridos que podem servir como adubo.
Ademais, devido ao fato dos crocodilianos viverem em grandes territórios, dispersam as sementes distantes da planta-mãe, o que aumenta suas chances de germinação. Em suma, apesar das lacunas na literatura, encontram-se evidências que permitem considerar os crocodilianos como dispersores de sementes, tanto de forma primária quanto secundária.
Referências: Platt, S. G., Elsey, R. M., Liu, H., Rainwater, T. R., Nifong, J. C., Rosenblatt, A. E., Heithaus, M. R., Mazzotti, F. J. Frugivory and seed dispersal by crocodilians: an overlooked form of saurochory?. Journal of Zoology, v. 291, n. 2, p. 87-99, 2013.
Gabriel Henrique Ferreira é graduando em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Viçosa – Campus Rio Paranaíba.