Caminhando e mudando, de ideias a atitudes

Pierre Rafael Penteado.

 

Quando era pequeno, lembro que às vezes os mais velhos brincavam com um cumprimento, no comecinho da tarde: “Bom dia”, diziam. E quando eu olhava para o fulano com uma cara estranha, justificavam dizendo que ainda não haviam almoçado, então para eles continuava ser ideal usar o “bom dia”. Em algumas vezes fiquei pensando: “Poxa, e se ele não almoçar o dia inteiro?”. Bem, é claro que é apenas uma brincadeira de adultos com crianças. Mas os pequenos levam as histórias ao pé-da-letra, vocês sabem…

Entretanto, já imaginou se cada pessoa exigisse que o mundo só andasse de acordo com o que ela fez ou deixou de fazer?  Ou ainda, pensasse que a natureza só existe com o único propósito de satisfazer suas necessidades? Bem, durante a história, a maneira de o homem pensar seu lugar no universo variou ao longo das épocas. O Teocentrismo, que predominou durante a Idade Média, propunha que Deus é o centro do Universo. Por outro lado, o Antropocentrismo, que foi concebido durante o Renascimento, considera que o universo deve ser percebido de acordo somente na sua relação com o homem, elevando este a um papel central.

Na biologia, por exemplo, uma das classificações biológicas propostas na história, no século IV, foi a de Santo Agostinho, que separou animais nas seguintes categorias: úteis, inúteis ou indiferentes ao homem. Apesar de ele ser uma figura importante no Cristianismo, usou um sistema que é totalmente antropocêntrico, partindo do princípio de que os animais deveriam ser avaliados apenas baseados em sua ligação com o homem. Essa maneira de ver as espécies não “pegou”.

Aliás, muito antes de Agostinho, na antiga Grécia, Aristóteles usava outra classificação, também artificial, mas que se baseava no ambiente em que o animal vivia: terrestre, aéreo ou aquático. E hoje? Seguimos um sistema natural, que considera apenas caracteres intrínsecos das espécies, sejam eles morfológicos, genéticos, evolutivos ou ecológicos.

No fim do ano passado, um caso ficou notório envolvendo a paralização de uma obra do PAC, o “Programa de Aceleração de Crescimento” do governo federal. O motivo? Segundo os jornais, “por causa de uma perereca de 2 cm ”, que inclusive até foi eleita como “novo inimigo do desenvolvimento” pelo presidente Lula. Oras, não é só uma perereca! É uma espécie inteira, batizada como Physalaemus soaresi, desde que foi identificada, na década de 60. Desde então, ela não foi encontrada em nenhum outro lugar do planeta. É o que chamamos de espécie endêmica. Infelizmente, parece que para o presidente, e muitos outros, o modo de ver de Santo Agostinho, pegou…

A maneira de o homem ver a natureza, e como ele se encaixa nela, pode ser a chave para resolvermos os problemas ambientais que enfrentamos. Muitos veem a natureza com olhos de superioridade, valendo-se da racionalidade humana, enquanto poderiam vestir-se de humildade, para quem sabe concluir que a única coisa que temos além das demais espécies, é responsabilidade. Ao passo em que a humanidade pensar que a meio ambiente é uma coisa distante, alheia, que têm apenas o papel de fornecer matéria-prima para suprir nossas necessidades e desejos, pode não haver muito que fazer.

 

Pierre Rafael Penteado é biólogo, mestrando em Biologia Animal pela Universidade Federal de Viçosa.


Como citar esse documento:

Penteado, P.R. (2010) Caminhando e mudando, de ideias a atitudes. Folha biológica 1 (3): 2

 

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