Karine Frehner Kavalco
“Nada na Biologia faz sentido exceto à luz da Evolução”. Foi o que inteligentemente afirmou Theodosius Dobzhansky (que consolidou a nascente ciência da genética no Brasil), depois de observar características genéticas da pequena mosca da fruta, Drosophila melanogaster. Esta afirmação fora usada inúmeras vezes depois dele a ter proferido, e a cada dia ela ganha mais sentido. Desde muito antes de Charles Darwin, vários pesquisadores já tinham notado que as espécies mudavam, mas eles não sabiam como. De posse de ideias de outros pesquisadores sobre a mudança nos padrões de diversidade vistos na natureza e sobre dados demográficos de populações humanas, Darwin pôde dar sentido àquilo que ele encontrou em sua viagem com o navio britânico “H. M. S. Beagle” pela América do Sul. A região Neotropical (que se estende do sul dos Estados Unidos até o norte da Argentina), visitada quase em sua totalidade pelo naturalista em sua aventura, é realmente uma das mais ricas em termos de número de diferentes espécies, seja com relação a plantas ou animais. Darwin viu uma vasta diversidade de formas e tipos, cores e comportamentos, que o levou a indagar sobre os processos que dariam origem a este fenômeno. O arquipélago de Galápagos, formado por mais de 50 ilhas, foi o laboratório natural de Charles Darwin, o local que lhe suscitou tantas dúvidas e o extasiou com tamanha beleza exótica. Essa viagem pode ser considerada o marco de início da Biologia Evolutiva como Ciência. Darwin estabeleceu métodos para análise e propôs os processos biológicos que estariam por trás da biodiversidade que ele observara. Ele analisou uma grande quantidade de diferentes organismos, e fortaleceu suas predições sobre a Seleção Natural com a observação da força da Seleção Artificial feita por criadores.
Hoje, a cada dia, milhares de biólogos evolutivos relatam à comunidade científica fatos que corroboram as ideias de Darwin e de outros grandes cientistas. Depois da introdução de dados de outras Ciências, como a Genética, as observações cotidianas dos processos nos seres vivos foram entendidas de maneira mais plena, e hoje se assume que a Evolução seja o elo que agrega todas as áreas das Ciências Biológicas. Da mesma forma que a Biologia Evolutiva, o Biólogo Evolutivo tem um vasto campo de atuação. Embora seja uma das áreas mais exclusivas das Ciências Biológicas, uma vez que normalmente apenas biólogos estudam com profundidade Evolução Biológica, ainda há muito por se fazer. Descrever padrões na natureza, tentando explicar que processos os produziram, é uma das tarefas mais árduas nesta área. E relatar o mecanismo exato dos processos que produzem esse padrão, como por exemplo, a Seleção Natural, é ainda mais difícil. Mas o encanto que entender como uma forma foi moldada durante centenas de gerações é algo tão profundo, que nenhum biólogo evolutivo foge da oportunidade de entender um pouco mais sobre a natureza. A maneira de fazer esta Ciência mudou muito desde a época de Darwin. Naquela época não havia potentes microscópios, aparelhos de precisão ou modelos matemáticos tão bem desenhados como hoje, que facilitam e permitem um maior aprofundamento nos estudos dos biólogos. Hoje, entretanto, estamos mais limitados à devastação de nossos laboratórios naturais. Junto com a diversidade de formas, tipos, cores, comportamentos, etc., que nos é tolhida dia-a-dia com a destruição da vida natural, de diferentes habitat, perdemos as respostas a tantas perguntas, algumas delas ainda não formuladas, dada a limitação do nosso conhecimento.
Embora tenha visitado apenas quatro das ilhas de Galápagos, o que seria de Darwin se ele fizesse hoje esta viagem e se o governo equatoriano não tivesse decretado Galápagos um Santuário da Vida Selvagem? E o mais importante, o que seria da Ciência se Darwin não tivesse tido a chance de ver o que viu em 1835? Quantos “Darwins” estamos coibindo, quanto conhecimento estamos perdendo a cada árvore que vai ao chão? Conhecer a natureza não nos possibilita apenas conhecer o mundo ao nosso redor. Conhecer a natureza, seus padrões e os processos que a formam, implica em nos conhecermos, uma vez que somos parte dela, aceitemos ou não.
Karine Frehner Kavalco é bióloga, mestre em Genética e Evolução e doutora em Genética. É professora do campus de Rio Paranaíba da UFV e atua na área de Evolução.
Como citar esse documento:
Kavalco, K.F. (2010) Conhecer para preservar e preservar para conhecer. Folha biológica 1 (3): 1