Provavelmente você já estudou ou ouviu falar sobre cromossomos¹ sexuais e sabe que eles são os responsáveis por determinar o sexo de um indivíduo. Os seres humanos e mamíferos em geral apresentam o que chamamos de sistema sexual XX/XY, onde a fêmea possui as duas cópias do cromossomo X, sendo classificada como homogamética (em grego, homo=igual) e o macho possui uma cópia do X e outra do Y, sendo assim heterogamético (em grego, hetero=diferente).
Mas o que diferencia o Y do X? Como o Y é responsável por determinar o sexo masculino?
Em relação as suas diferenças é possível identificar que o cromossomo Y possui um gene² exclusivo chamado SRY, situado em uma região responsável pelas características masculinas e diferenciação do sexo. Porém, o Y também possui uma região chamada Região Pseudoautossomal, e esta se encontra em homologia³ com o X, o que nos indica que o Y provavelmente surgiu do cromossomo X.
Então como surgiu o Y? E por que o X não possui o gene SRY?
Sabemos que há milhões de anos atrás não existiam cromossomos sexuais em mamíferos e esse grupo apresentava somente cromossomos autossomos⁴. Um desses pares homólogos de cromossomos autossomos apresentava um gene chamado S0X3 e em determinado momento na história evolutiva houve um evento de quebra sobre esse par. Em função disso o gene S0X3 se fusionou com outro gene que era responsável pela expressão bipotencial das gônadas⁵, surgindo assim o gene SRY com sua nova função de determinação dos testículos.
Anos mais tarde, o cromossomo Y acabou sofrendo inversões, processo em que parte do cromossomo se separa e se reorganiza de forma invertida, o que fez com que ele parasse
de se recombinar com o X e, assim, evoluísse de forma independente. Porém uma pequena parcela desse cromossomo Y ainda se recombinava com o X, surgindo então à região pseudoautossomal. Devido a essa evolução independente, o cromossomo Y acabou sofrendo outros eventos, como a perda de seu material genético, ficando assim menor que o X, característica pela qual o reconhecemos hoje. Essa perda do seu material genético fez com que ele se especializasse somente na determinação do sexo.
Inicialmente uma primeira teoria fez-se acreditar que esse evento do surgimento do Y aconteceu somente uma vez na história evolutiva dos mamíferos. Mas, estudos recentes mostram que o cromossomo sexual Y surgiu de forma independente na subclasse Theria (mamíferos placentários e marsupiais) e em Prototheria (mamíferos que colocam ovos, como os ornitorrincos, por exemplo). Ou seja, o Y apareceu duas vezes de forma independente na história evolutiva dos mamíferos. Isso foi descoberto graças às pesquisas que perceberam que os Prototheria possuem um gene AMH para a determinação sexual ao invés do gene SRY presentes no grupo dos marsupiais e placentários.
Em resumo, acredita-se que o cromossomo Y tenha surgido há 180 milhões de anos atrás em Theria com seu gene SRY e há 170 milhões de anos atrás em Prototheria, com seu gene AMH, e desde então prevaleceu no reino animal.
Glossário:
Cromossomo¹: Estrutura altamente organizada de uma célula, que contém o material genético de um organismo;
Gene²: uma sequência específica do DNA que contém as instruções necessárias para a síntese de uma proteína ou molécula de RNA.
Homologia³: estruturas biológicas que podem apresentam diferentes funções, porém possuem origem embrionária semelhantes. ex: Nadadeiras anteriores de baleias e braços de seres humanos são estruturas homólogas;
Cromossomos autossomos⁴: Cromossomo que não estão ligados ao sexo e fazem parte do patrimônio genético da espécie, junto com os cromossomas sexuais. ex: O ser humano possui 44 autossomos que formam 22 pares de cromossomas e mais um par de cromossomos sexuais.
Gônodas⁵: designação genérica das glândulas sexuais (ovário e testículo) que produzem os gametas (óvulos e espermatozoides).
Priscila Martins de Assis é graduanda em Ciências biológicas pela Universidade Federal de Viçosa – Campus Rio Paranaíba.