Como todos nós sabemos muito bem, a batcaverna é o lugar preferido do Batman, assim como a Fortaleza da Solidão é para o Super-Homem. Na batcaverna, o homem-morcego pode bolar tranquilamente seus diversos planos sobre como salvar Gotham do mal, sem que o Alfred venha lhe incomodar, mandando-lhe arrumar a cama. Mas já imaginou se existissem um bocado de batcavernas, quentinhas e aconchegantes, onde morcegos de regiões neotropicais pudessem habitar?
O termo “cavernas quentes” se refere à algumas câmaras subterrâneas localizadas em regiões neotropicais. Essas câmaras servem de moradia para um bocado de morcegos. Mas a vida nas cavernas não é nada fácil,os morcegos que o digam, pois o calor que faz lá é imenso, entre 28 e 40ºC. Isso acontece por causa do calor corporal emanado pela grande quantidade de espécies de morcegos desses locais. Daí vem o nome “cavernas quentes”, que funcionam como “batcavernas coletivas”.
Em um artigo do ano de 2012 publicado pela revista científica Conservation Biology, alguns pesquisadores destacam a importância da fauna das espécies de morcegos para a estabilidade do microclima dessas regiões. Eles dizem que o que diferencia essas cavernas quentes das cavernas tradicionais é a densidade de morcegos, pois, enquanto as cavernas tradicionais possuem um número que é relativamente pequeno de indivíduos, as cavernas quentes podem chegar a ter centenas de milhares de morcegos. Logo, quanto mais morcego, maior será o calor do ambiente.
Além dos morcegos, os autores desse trabalho mencionam que essas cavernas também abrigam outros organismos, como, por exemplo algumas espécies de artrópodes. Acontece que o prato predileto dos artrópodes das cavernas quentes são as fezes (eca!) de nossos morceguinhos. Embora para nós esse cardápio seja um tanto esquisito, outros trabalhos revelam que ele é muito apreciado por vários besouros, e que, tanto o cocô dos morcegos, como o microclima dessas cavernas propiciam o lar adequado para esses artrópodes. Contudo, diferente dos morcegos, a fauna desses artrópodes ainda é muito pouco conhecida, devido à baixa quantidade de estudos sobre eles.
O artigo aproveita também para falar sobre algumas adaptações biofísicas dos morcegos desenvolvidas ao longo do tempo evolutivo, que adequam a vida deles aos ambientes das cavernas quentes. Eles conseguem reduzir sua taxa metabólica, além de possuírem morfologia adequada para a conservação de água: as membranas naturalmente ressecadas de suas asas são essenciais para reduzirem a perda de água quando estão enchendo o papo fora do microclima úmido da floresta.
Agora chegamos ao lado trágico história. Infelizmente, os ambientes das cavernas quentes vêm sendo ameaçado pelas atividades dos seres humanos, principalmente no que diz respeito à extração do guano (nome chique para o cocô do morcego), que é utilizado frequentemente como fertilizante. Além disso, o trabalho também menciona o quanto a urbanização, a agricultura, o turismo e outras ações antrópicas afetam a vida dos organismos que vivem nessas cavernas. De acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos, mais de 8 milhões de toneladas de cimento são produzidos por ano nas ilhas do Caribe, e isso é possível devido à extração de calcário das cavernas quentes existentes na região.
Mas esse não é o fim da história: no artigo os autores também, apresentam oportunidades para a conservação desses ambientes. Mesmo existindo um bom conhecimento a respeito das cavernas quentes, ainda há muito que se descobrir, e estudar as variáveis ambientais, a ecologia e a distribuição geográfica dos organismos que vivem nesses lugares é um passo decisivo para conhecermos mais sobre seu nicho ecológico. E conhecer o nicho ecológico de um determinado grupo possibilita aos cientistas tomar as medidas adequadas para preservar os seres vivos.
Arthur Filipe da Silva – Graduando em Ciências Biológicas – Universidade Federal de Alagoas.
Referência:
Ladle, R.J. et al. (2012). Unexplored Diversity and Conservation Potential of Neotropical Hot Caves. Conservation Biology. DOI: 10.1111/j.15231739.2012.01936.x
Originalmente publicado no blog Causos da Ciência: http://causosdaciencia.blogspot.com.br