A grande riqueza das pequenas espécies do Cerrado

O Cerrado é o segundo maior domínio do Brasil, superado apenas pela Amazônia. Ele cobre uma área de dois milhões de km², e ocorre em 14 estados brasileiros. Nesse domínio ocorrem vegetações distintas, como florestas (os cerradões), campos (os campos limpos e campos rupestres), até formações savânicas, os cerrados sensu stricto, ou cerrado típico, que ocupam 70% da área total.

O cerrado sensu stricto é caracterizado pela existência de árvores de pequeno a médio porte com troncos retorcidos, de modo que as copas dessas árvores não se toquem. Abaixo delas existe um tapete contínuo de plantas de pequeno porte, conhecidas como ervas e arbustos. Essas espécies permanecem toda a sua vida próximas ao nível do solo, e não desenvolvem lenho ou madeira, ou seja, nunca irão virar árvores. Elas germinam suas sementes, crescem, reproduzem e morrem num período de tempo muito curto em relação às árvores, que sobrevivem décadas ou séculos.

Estima-se que para cada árvore exista de cinco a seis ervas, muitas ainda não descobertas pela ciência. O estrato herbáceo, que é a comunidade das ervas, possui espécies temporãs, ou seja, que podem ser visualizadas apenas em uma época do ano, seca ou chuvosa. Essas plantas também apresentam diversas adaptações a falta de água e nutrientes e presença constante do fogo.

Prestonia erecta, uma erva com ocorrência restrita ao Cerrado.

Os primeiros estudos sobre as “plantinhas” do cerrado brasileiro iniciaram na década de 1980, quando começou a se vislumbrar a riqueza e o potencial desconhecido dessas espécies. Tradicionalmente sabemos que as ervas são usadas para alimentação e produção de medicamentos. Outra utilidade é na recuperação de áreas degradadas, uma vez que elas cobrem e protegem o solo, mantendo a umidade e os nutrientes, o que favorece a reconstrução da vida no solo e acima dele. Além disso, devido à variação de cores, formas e beleza, as ervas têm grande potencial para paisagismo e ornamentações em geral. Atenta a essa diversidade também está a indústria química e farmacêutica, já que muitas moléculas são utilizadas na cura de doenças e criação de bioprodutos.

Hoje, a elevada biodiversidade e a presença de espécies que só ocorrem neste local, colocam o Cerrado como um dos ambientes mais diversos e ricos do planeta. Apresentando mais de 12.000 espécies vegetais descritas, sendo que 61% só existem exclusivamente nessa vegetação, por isso é um dos hotspost (pontos quentes) para se conservar no mundo.

Cochlospermum regium, um subarbusto símbolo do cerrado sensu stricto.

Entretanto, o crescimento econômico do país provocou fortes modificações neste bioma, levando a redução de mais de 65% da cobertura original e, consequentemente, à extinção de várias plantas que nem sequer foram descobertas. Para outras espécies, o extrativismo excessivo vem ameaçando a sua sobrevivência, como é o caso do Alecrim-do-campo (Anemopaegma arvense). Seus extratos foram patenteados por grupos de pesquisadores japoneses para o uso em cosméticos, gerando demanda e superexploração dessa espécie, o que a deixou atualmente em perigo de extinção. Para enfrentar esse cenário precisamos de muitos esforços, investimentos e políticas públicas que permitam a formação de cientistas capazes de reconhecer, conservar e manejar de forma sustentável a maior riqueza do planeta: a biodiversidade.

Márcio Venícios Barbosa Xavier, Estudante de Graduação em Engenharia Florestal.UFMG. Rúbia Santos Fonseca, mestre e doutora em Botânica pela UFV. Professora de Dendrologia e Sistemática Vegetal da UFMG

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