Campos de murundus: Pouco conhecidos e muito ameaçados

Os pequenos animais que vivem no solo desempenham papeis de grande importância, os quais, na maioria das vezes, nem mesmo percebemos. Desde 1881, o grande naturalista Charles Darwin já havia observado a importância das minhocas para a formação dos solos e estabelecimento de diferentes vegetações. Desde então, pôde-se perceber que os distintos animais presentes no solo não são apenas habitantes, são também agentes fundamentais para diversos processos que ocorrem ali, fazendo que esse solo seja um complexo ecossistema. A constante atividade desses seres ao logo do tempo faz com que o ambiente e os elementos que o compõem (tipo de solo, nutrientes do solo, vegetação, etc.) sejam dinâmicos.

Os campos de murundus são exemplos claros da importância da atividade de pequenos animais na formação de um ecossistema diferenciado. Murundus são montes de terra que possuem forma arredondada, distribuídos ao longo de terrenos mais baixos, periodicamente alagados, encontrados em algumas paisagens do Cerrado. Esses “montes de terra” são formados por colonizações sucessivas de cupins, correspondendo a ninhos ativos ou não, que resistem aos processos de erosão do solo. A erosão, processo de carreamento de partículas do solo dos locais mais altos para os mais baixos, tenderia a nivelar a paisagem se não fosse a atividade intensa dos cupins em transportar solo de baixo para a superfície. Esse comportamento contribui para o aumento dos murundus, e consequentemente, para o aumento do território de forrageamento dos cupins durante os períodos de alagamento.

O processo de formação dos murundus é dinâmico, mesmo após a formação de grandes montes de terra, a atividade desses pequenos animais não para, podendo superar 3 metros de altura.

Do ponto de vista ecológico, os murundus são ecossistemas muito interessantes, pois se diferem dos ambientes circundantes, tanto pela constituição dos solos quanto pela vegetação e fauna que os habitam. Nos espaços entre murundus predominam solos com poucos nutrientes, com maior capacidade em reter água e maior proximidade com o lençol freático, o qual pode ser encontrado com um metro de profundidade, mesmo durante a estação seca. Nesses locais são encontradas espécies vegetais campestres resistentes ao período de alagamento, sendo ausente árvores e arbustos. Já nos murundus, os solos são mais drenados, livres do alagamento sazonal e com maior teor de nutrientes, resultantes do aporte de materiais dos cupins e da ciclagem de uma vegetação mais vigorosa, como árvores e arbustos do Cerrado. Durante os períodos de alagamento, os murundus tornam-se verdadeiras ilhas (Figura 2), capazes de abrigar plantas lenhosas que normalmente são intolerantes à saturação hídrica do solo, além dos cupins e outros animais, mantendo-os a salvos dos excessos de água.

Os murundus espalham-se pela paisagem conferindo-lhe um aspecto de micro relevos ou pequenos “mares de morros”, o que proporciona uma beleza peculiar. Além da beleza paisagística, os campos de murundus são importantes por comportarem uma vasta diversidade de espécies do Cerrado, no entanto, também representam um dos ecossistemas mais ameaçados pela antropização. Atualmente, com a expansão das fronteiras agrícolas, esses campos vêm sofrendo um alto grau de perturbação com a implantação de drenos para o escoamento superficial da água do solo e nivelamento da superfície, tornando-os propícios para o desenvolvimento da agricultura extensiva. O risco iminente já foi reconhecido pelo Estado de Goiás, onde os campos de murundus já são considerados Áreas de Preservação Permanente (Lei estadual nº 16.513/2007). No entanto, fora desse Estado, os campos de murundus continuam sendo alvos do avanço agrícola sobre o Cerrado. Por esse motivo, a proteção desses ecossistemas é essencial para que continuem embelezando as paisagens já bastante degradadas, e preservando as espécies, tanto da flora como da fauna do Cerrado.

Cibele de Cássia Silva é bióloga e mestranda em Ecologia e Evolução pela UFG Daniel Meira Arruda é biólogo, mestre e doutorando em Botânica pela Universidade Federal de Viçosa.

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