Sementes que dormem no solo

Já observou aquelas plantinhas nascendo no quintal de sua casa, nas praças, ruas ou lotes vagos, sem ter visto ninguém semeando? Provavelmente, as sementes daquelas plantas já estavam no solo, adormecidas, fazendo parte do banco de sementes daquela área de e aí, acordaram! O banco de sementes do solo é caracterizado pelo conjunto de sementes viáveis que foram e estão sendo armazenadas em determinadas porções do solo, em alguma profundidade ou na superfície. Isso significa que na composição do solo existem sementes das plantas vivas naquele momento, das plantas que já estiveram ali e até de plantas que estão longe dali, que foram transportadas por animais como aves, roedores, morcegos, ação do vento ou mesmo da água.

O banco de sementes funciona como uma memória do solo, pois armazena toda a diversidade de genótipos de um ambiente. Algumas sementes permanecem adormecidas e viáveis por um longo período no solo, formando os chamados bancos de sementes persistentes, que geralmente são compostos por plantas de vida longa como as árvores. Em contrapartida, outras sementes apresentam pouca ou nenhuma dormência, sendo essas espécies normalmente de vida curta, como pequenas ervas, caracterizando um banco de sementes transitório. Essa variação temporal faz com que muitas vezes o banco de sementes seja diferente em cada estação do ano, visto que a entrada e saída de sementes é um processo dinâmico. Fatores como chuvas, calor intenso e luminosidade estão diretamente ligados a germinação das sementes destes bancos. Podemos perceber isso quando observamos áreas de caatinga e cerrado, que estão em regiões brasileiras de pouca chuva. Essas áreas apresentam uma germinação de sementes acima de 80% no início da estação chuvosa. Nessas condições, é fácil visualizar que a água é um fator limitante para que a germinação aconteça.

Espécies presentes no banco de sementes do solo de um cerrado sensu stricto degradado em Montes Claros, Norte de Minas Gerais: A – Mesosphaerum suaveolens (L.) Kuntze; B – Euphorbia heterophylla L.

Naturalmente, existe uma mortalidade vegetal que é algo comum nos maciços de vegetação natural (como a Amazônia e Cerrado) e em áreas alteradas pelo homem (como parques urbanos, grandes jardins e em quintais domésticos). As causas dessa mortalidade podem ser variadas, mas em geral, estão associadas a doenças fúngicas, ataques de insetos-praga, incêndios, queimadas e eventos naturais extremos como ventanias e tempestades. No entanto, após esses eventos, é possível observar a germinação de vários novos indivíduos. Isso ocorre justamente por conta do banco de sementes, que ao encontrar condições favoráveis, germina e se desenvolve, substituindo a flora anterior. Deste modo, todas as características supracitadas tornam esses bancos extremamente importantes para a regeneração e a sucessão de espécies ao longo do tempo nos ambientes.

Desde o descobrimento do Brasil, inúmeras áreas naturais vêm passando por alterações. Uma das consequências drásticas deste processo foi à perda de 95% da floresta atlântica brasileira. Contudo, a existência atual de algumas áreas de fragmentos de mata atlântica, mesmo que pequenas e degradadas, preserva um banco de sementes do local. Desse banco, as sementes que acessam condições boas para germinarem, colonizam o ambiente e evitam a intensificação da degradação local. Além disso, fornecem recursos como sombra e consequente aumento da umidade no ambiente, favorecendo a germinação e o desenvolvimento de outras plantas. Os bancos funcionam ainda como um grande reservatório de plantas, que podem ser de ocorrência exclusiva de um local, raras, ameaçadas de extinção e até extintas na natureza. Assim, devemos reconhecer a importância dos estudos que caracterizam e descrevem esses bancos e suas dinâmicas, até porque, essa ciência é uma das bases para subsidiar a elaboração de possíveis estratégias de recuperação e conservação ambiental do que ainda existe de ambientes naturais.

Cintia Dayrane Duarte Moreira é graduanda em Engenharia Florestal pelo Instituto de Ciências Agrárias da UFMG. Desenvolve pesquisas com restauração de áreas degradadas, sistemas agroflorestais e sementes florestais.

Márcio Venícius Barbosa Xavier é graduando em Engenharia Florestal pelo Instituto de Ciências Agrárias da UFMG. Desenvolve pesquisas com florística e fitossociologia.

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