A beleza e a adversidade em se compreender as homologias

Existe toda uma bagagem histórica de estudos biológicos, ecológicos e evolutivos no que diz respeito à como as estruturas se alteram. Cada passo ao longo dos anos, cada nova descoberta, cada nova contribuição de autores e autoras ao redor do mundo pintava uma nova figura no quadro do entendimento sobre como os organismos evoluem, como membros, estruturas e tecidos se alteram e sobre como nossa visão científica pode estar totalmente em desacordo com uma nova evidência recém apresentada.

Porém, como não podemos voltar no tempo e observar com nossos próprios olhos a mudança nos organismos vivos, temos que procurar métodos atuais para explicar como foi que “uma mesma parte” do corpo de um ancestral em comum originou diferentes usos similares. Peguemos como analogia o exemplo dado pelo autor e pesquisador Aaron Novick em sua publicação de 2018 intitulada como The fine structure of ‘homology’, ou em tradução livre, “A fina estrutura da homologia”. Novick cita em seu trabalho que tanto barbatana peitoral de um dugongo (um mamífero marinho parente do nosso peixe-boi amazônico), quanto o antebraço de uma toupeira (pequenos mamíferos que vivem no solo e cavam túneis para viver) e a asa de um morcego, ainda que aparentemente sejam extrema-mente diferentes e não relacionadas são, na verdade, a mesma estrutura, a mesma parte. Tratam-se de membros posteriores, ou como preferimos dizer, são “braços”. Ainda que eles sejam adaptados para diferentes necessidades, como nadar, cavar e voar, respectivamente, todos com-partilham a mesma origem ancestral.

Mas afinal, o que é homologia propriamente dita? Bom, temos uma série de pessoas que buscaram definir isso ao longo do último século. Por exemplo, num dos conceitos mais recentes, proposto pelo biólogo evolucionista austríaco Günter P. Wagner, duas ou mais partes são homólogas se elas compartilham restrições de desenvolvimento historicamente adquiridas e geneticamente reguladas. Na prática, isso quer dizer que para ele, só podemos dizer que estruturas são homólogas se ao longo da história evolutiva dos grupos que estão sendo comparados, um braço ou uma perna (por exemplo) têm os mesmos limitadores ainda na fase de embrião, sendo reguladas por ativação e desativação de genes. Parece difícil de entender, mas se pararmos para pensar que até hoje dentro da área evolutiva isso está aberto à discussões e trata-se de um conhecimento que vem sendo construído dia após dia, até que a definição proposta por Wagner é simples de se entender. E bom, para melhorar ainda mais, pesquisadores discutem que existem dois tipos chave de homologia: homologia em série e homologia especial, mas isso fica para uma outra conversa.

Para terminar, é importante dizer que não há maneira de se compreender o ramo das homologias sem antes compreender a embriologia (ciência que estuda a formação dos órgãos e sistemas) e a embriogênese (área da embriologia que estuda o desenvolvimento do embrião desde sua fecundação até o nascimento). Somente quando estudamos ali, naquele momento quando a vida se inicia e as características ainda estão no seu estado mais basal (mais simples, menos modificadas), é que podemos ter uma boa visão de onde vieram e como se formam as estruturas atuais os seres vivos, ao melhor exemplo do nosso braço e as patinhas de um cachorro.

Figura 1. Homologia de vários ossos (mostrados em cores diferentes) dos membros anteriores de quatro vertebrados.
Imagem de: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?title=File:Homology_vertebrates-pt.svg&oldid=670753234.

Referências: Novick, A. The fine structure of ‘homology’. Biol Philos 33, 6 (2018). https://doi.org/10.1007/s10539-018-9617-3.

Gustavo Gonçalves Marciano é graduando em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Viçosa – Campus Rio Paranaíba.

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