Flávia Fróes de Motta Budant
Quando o assunto é ciência na Antiguidade, é normal que sejamos expostos atextos e dados enciclopédicos, mais ilustrativosdo que explicativos. Pouco comum é que nos falem de que forma os antigos encaravam o fazer científico, que era o estudo dos mecanismos da Natureza, e de que maneira isso estava inserido no cotidiano e como se relacionava com a cultura local. É claro, podemos falar só sobre as descobertas de cada povo – quem mediu a Terra primeiro, qual foi o primeiro homem a falar em átomo –, mas entender como chegaram a elas nos ajuda a compreender como era de verdade a ciência naquele tempo. Temos a mania de achar que a nossa época é a mais avançada – temos computadores hipervelozes, enviamos sondas espaciais para explorar a vizinhança galáctica e, acima de tudo, não atribuímos acontecimentos da natureza a entidades sobrenaturais enfurecidas. Somos evoluídos. No entanto, devemos admitir que os antigos também tinham um raciocínio tão complexo quanto o nosso, por mais que não dispusessem da mesma tecnologia.
Para fugir do óbvio, vamos falar de um povo pouco lembrado quando o assunto é ciência: os romanos. É preciso saber que os estudos, em Roma, não eram conduzidos por qualquer um, e nem mesmo divulgados a todos. O desenvolvimento cultural se restringia a uma elite, que mandava os filhos estudar com professores gregos ou na própria Grécia. Como dizia o poeta Horácio, apesar de os romanos terem conquistado os gregos, eram os helênicos que os mantinham cativos através da influência cultural.
Adiante, saibamos que, na antiguidade, investigar a Natureza era papel dos filósofos. Muitos textos que hoje conhecemos por científicos são, na realidade, obras que pertencem a estoicos, epicuristas etc. Vamos abordar a relação da Natureza com três grandes áreas do conhecimento romano: o Direito, a retórica e a ética.
Cícero, um dos maiores escritores latinos, nos informa que os estudos naturais estavam bastante ligados ao modo como Roma era administrada através das leis. Lex est ratio summa insita in natura quae iubet ea quae facienda sunt prohibitque contraria – a lei é a maior razão, implantada na natureza, que manda as coisas que devem ser feitas e proíbe as contrárias. A natura legitima a organização social pois esta também provém da ordem cósmica. E, assim como as regras cívicas são naturais, a própria Natureza tem suas leis. Lucrécio, que escreveu uma obra de divulgação científica epicurista em latim, fala em foedera naturae – estipulações, regularidades que encontramos. Encontrar simetria no funcionamento do Universo era como ter acesso a verdades encobertas: a partir de analogias, conexões, sabia-se mais sobre o mundo em que se vivia.
Como espinha dorsal da educação romana, havia a retórica, a arte do discurso, do dizer bem através de manobras da linguagem. Ela também moldou a forma de compreender a ciência. Sêneca, o filósofo, ao escrever as Questões Naturais, não poupou construções que visavam conquistar o leitor, ao mesmo tempo em que transmitia informações a respeito dos rios, das estrelas etc. Lucrécio, em meio aos átomos e às explicações físicas, utiliza ideias e argumentos moldados à maneira dos oradores, também para trazer o leitor para perto de si e de suas teorias.
Quanto à ética, sabe-se que, como a ciência era feita por filósofos (lembremo-nos da grande interdisciplinaridade da Antiguidade), uma das perguntas que se faziam era se havia – e quais seriam – as correspondências de seus atos no Universo. O poeta estoico Lucano, em sua obra Farsália, a respeito da guerra civil entre César e Pompeu, aponta em diversos trechos a Natureza se manifestando de modo simétrico às atrocidades humanas: há tempestades, eclipses, estrelas alterando o próprio curso, espelhando a barbaridade das batalhas.
Os estudos científicos se relacionam profundamente com a cultura de cada época. Mas, apesar das grandes diferenças na maneira de encarar a Natureza, é preciso reconhecer que o que fazia um romano olhar para o céu e encontrar as constelações é o mesmo que nos faz desmontar um rádio velho para ver como ele é por dentro. A curiosidade é uma constante humana e é o que nos move continuamente. É o que nos iga tanto aos que já se foram quanto aos que virão: o mesmo fio evolutivo do amor pelo conhecimento.
Flávia Fróes de Motta Budant é estudante de Graduação em Letras Português – Latim, na Universidade Federal do Paraná, com ênfase em estudos da poesia latina.
Como Citar esse documento.
Budant. F. (2013). A ciência na Roma antiga. Folha biológica 4: (4) 4