Um legítimo rioparanaibano, a resiliência de uma recém descrita espécie

Na grande área das ciências biológicas uma das tarefas mais difíceis, e recorrentes, que um cientista tem é delimitar espécies. Mas afinal, o que é uma espécie? O que parece ser uma pergunta fácil de ser respondida geralmente causa um verdadeiro nó na cabeça dos biólogos. O motivo disso é que os organismos vivos se diferenciam mais ou menos uns dos outros, e essa variação acontece tanto acima quanto abaixo do nível de espécie. Desta forma, “espécie” nada mais é do que um termo criado por nós humanos para delimitar organismos que são suficientemente diferentes entre si. A grande dificuldade fica em se determinar quão diferente um organismo precisa ser do outro para serem considerados de diferentes espécies, ou em outras palavras, onde termina uma espécie e onde começa outra.

Diferentes conceitos foram propostos ao longo dos anos para auxiliar neste dilema, levando em consideração aspectos como reprodução, genética, morfologia, história evolutiva, nicho ecológico e etc. Cada um desses conceitos apresenta seus méritos e suas falhas, mas no geral os pesquisadores concordam que usar diferentes métodos e fontes de informação biológica é a melhor solução. Uma última questão que devemos discutir é a distribuição geográfica das espécies, já que algumas, como a nossa, ocorrem em todo planeta, enquanto outras podem ter uma distribuição mais restrita, podendo até serem encontradas em um único local, sendo chamadas de espécies endêmicas. Agora já imaginou que legal seria ter uma espécie que ocorre apenas em sua cidade? Pois esse é um orgulho que os cidadãos do município de Rio Paranaíba-MG podem ter.

No ano de 2020, pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa – Campus Rio Paranaíba descreveram uma pequena espécie de peixe endêmica do córrego Rita, um
pequeno afluente na cidade de Rio Paranaíba. Os pesquisadores estavam investigando a diversidade genética e morfológica de uma espécie de piaba já conhecida pela ciência chamada Psalidodon paranae, que ocorre na bacia do Alto rio Paraná, da qual o rio Paranaíba faz parte. A amostragem ocorreu em oito afluentes da bacia do rio Paranaíba, e em sete os espécimes coletados foram identificados como P. paranae. Porém os pesquisadores perceberam que os espécimes do córrego Rita eram bem diferentes dos coletados em outros pontos, tanto em questões genéticas quanto morfométricas, isto é, analisando a forma corporal dos espécimes. Desta forma, chegaram à conclusão de que se tratava de uma nova espécie e homenagearam a cidade nomeando o peixe como P. rioparanaibanus.

Infelizmente essa história quase teve um final precoce e triste. Devido a um empreendimento imobiliário próximo ao córrego Rita e as fortes chuvas que atingiram a região entre o final de 2021 e início de 2022 uma enorme quantidade de lama atingiu o córrego após o rompimento de uma bacia de retenção. Além de colocar a nova espécie em risco de extinção, é muito importante lembrar que o córrego Rita é usado no abastecimento de água da cidade de Rio Paranaíba. Felizmente em uma nova visita ao local no início de abril de 2022 os pesquisadores da UFV constataram que a população dos peixes sobreviveu ao acidente, mas o ocorrido acende mais uma vez o alerta sobre os riscos que os impactos dos empreendimentos humanos representam não só a fauna e ao ambiente local, mas a nossa própria subsistência.

Imagem: Igor Henrique Rodrigues Oliveira

Igor Henrique Rodrigues Oliveira é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Viçosa – Campus Rio Paranaíba, mestre em Manejo e Conservação de Ecossistemas Naturais e Agrários pela Universidade Federal de Viçosa – Campus Florestal e doutorando em Zoologia pela Universidade Federal de Minas Gerais.

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