Entendendo a Anencefalia.

Rubens Pazza

 

A Constituição Federal é a lei máxima de nosso país. Nela está escrito que o aborto é permitido no Brasil em duas situações: em caso de risco de vida para a mãe e em casos de gravidez em decorrência de estupro (que é um crime hediondo).

No dia 12 de Abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a antecipção do parto de feto comprovadamente portador de anencefalia não é crime.

O que isto significa? Estaria o STF legitimando o aborto em uma forma que não está prevista na Constituição Federal?

Vamos esclarecer alguns detalhes e depois você mesmo pode chegar a uma conclusão.

Em primeiro lugar, o que é anencefalia? Todo o Sistema Nervoso Central se desenvolve no primeiro mês de gestação em uma forma chamada de tubo neural. Do fechamento deste tubo neural desenvolve-se o encéfalo e a caixa craniana. O encéfalo apresenta várias estruturas, incluindo o cérebro.

A anencefalia é uma má formação do tubo neural onde não acontece o fechamento do mesmo. Em decorrência disso, o cérebro e da caixa craniana não se desenvolvem, restando apenas o tronco cerebral, que é responsável pela manutenção das funções vitais. Entre estas funções estão a respiração, por exemplo.

Assim, a sobrevivência do anencéfalo pode variar de algumas horas até alguns dias. Há casos esporádicos em que o bebê sobrevive mais tempo por apresentar pequenas variações da doença, como a merocefalia, onde uma pequena parte do cérebro se desenvolve com sua membrana de proteção, permitindo uma sobrevivência por um tempo mais elevado.

De qualquer forma, este bebê terá apenas as funções vitais básicas, sem ver, ouvir, sentir frio ou calor ou mesmo um toque, e muito menos ter consciência – todas essas funções do cérebro. Em alguns casos, o pouco tempo de sobrevida depende de máquinas para respiração.

Tecnicamente, o anencéfalo é um natimorto cerebral e não difere de uma pessoa adulta que, por ocasião de um acidente, por exemplo, tenha morte cerebral – caso em que é possível que sejam retirados seus órgãos para doação e o desligamento dos aparelhos.

A anencefalia pode ser eficientemente diagnosticada por ultrassonografia a partir da 12ª semana de gestação e não há forma de tratamento. Estima-se que no Brasil aconteça um caso de anencefalia a cada 1000 nascimentos, ou seja, em torno de 3000 casos por ano.

 

Entendendo a Anencefalia

 

Não há uma causa exata para a anencefalia, mas uma das mais prováveis é a deficiência de ácido fólico. Por isso, mulheres que desejam ter filhos são incentivadas a tomar um suplemento de ácido fólico três meses antes da gravidez e até pelo menos o fim do primeiro mês de gestação. Outras associações observadas relacionam a ocorrência de anencefalia em mães diabéticas, muito jovens ou com idade avançada. É comum pensar que alterações no feto não implicam em consequências para a gravidez. Entretanto, fetos anencéfalos apresentam pouco reflexo de deglutição, ou seja, a capacidade de perceber que devem engolir o líquido amniótico.

Com o desenvolvimento, o feto normal vai engolindo o líquido amniótico e, com isso, diminuindo a pressão intrauterina. O aumento da pressão intrauterina em decorrência do excesso de líquido amniótico da gravidez de feto anencéfalo pode causar hemorragia e comprometer a saúde da mulher.

Além disso, é o crânio que desencadeia o reflexo do parto, necessário não somente para que o parto aconteça, mas também para que todo o organismo da mulher retorne ao seu estado original.

Somando-se o fato de que apresentam ombros mais largos, fetos anencéfalos só podem nascer através de cirurgias cesarianas, o que não deixa de ser uma cirurgia que pode ter complicações, e que acaba deixando a mulher em recuperação pós-cirúrgica no hospital.

Todas estas questões precisam ser explicadas para a mulher que teve o diagnóstico de feto anencéfalo.

Antes desta decisão do STF, a mulher precisava entrar na justiça e aguardar a decisão judicial para antecipar o parto de um feto anencéfalo. Esta decisão em geral demora pelo menos 15 dias, mas há casos em que a decisão só foi dada após o nascimento e morte do anencéfalo. Muitas mulheres que passaram pela situação relatam o tempo de espera como uma tortura psicológica.

Com a decisão do STF, mulheres que recebem este diagnóstico podem optar por manter a gravidez, avaliando o prognóstico devidamente explicado. Entretanto, caso ela queira, ela pode optar por realizar o chamado parto antecipado do feto anencéfalo.

Ou seja, ninguém será obrigado a antecipar o parto de um feto anencéfalo, mas quem optar por fazê-lo, não responderá criminalmente por essa escolha.

O mais importante é esclarecer todos os detalhes à gestante e permitir que ela faça a escolha entre manter a gravidez ou antecipar o parto.

Rubens Pazza é biólogo, mestre em Biologia Celular e doutor em Genética e Evolução. Atualmente é professor da Universidade Federal de Viçosa, campus de Rio Paranaíba, e atua na área de Genético Ecológica e Evolutiva.


 

Como citar esse documento:

Pazza, R. (2012). Entendendo a Anencefalia. Folha Biológica 3 (Edição Especial 3-6): 1

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